sexta-feira, 30 de agosto de 2013

CRÔNICA DE UMA LOUÇA QUEBRADA



               A louça quebrou ao mesmo tempo em que parecia espatifar pedaços de uma vida. Era usada em ocasiões especiais; as reuniões de família, os pequenos jantares amorosos do casal, uma visita importante. Mas antes de tudo aquela louça fora presente de casamento dado por sua avó. Então lhe trazia lembranças das férias no sítio dos avós, os presentes, os mimos, as histórias na varanda e antes de dormir, os passeios no fim de tarde por entre o pomar. Juntava isso e vinham as lembranças do dia do casamento, a música, seu belo vestido, os convidados a felicidade geral de sua família e de seu futuro marido. O sonho de constituir uma nova família, as perspectivas para o futuro.
              A avó quando a visitava e era servida com a louça, sempre lembrava de contar da felicidade do vendedor com a compra.
              - Bati minha cota. Terei uma boa comissão.
              Apenas felicidade, apenas felicidade em um pequeno objeto.
              Claro que o nosso vendedor pegou no batente as 07:00 e saiu da loja de um grande shopping após as 22:00, totalmente indiferente aquele objeto em particular, ou qualquer outro da loja. Pensava apenas que o dinheirinho extra lhe saldaria as dívidas. Como também ficou indiferente a quantidade de boas lembranças os carregadores da loja e o motorista que conduzia o caminhão no vaivém eterno para abastecer inúmeras lojas, com aquela mesma louça.
              Não sei se na fábrica onde a dita louça foi produzida estavam todos indiferentes; não, não saberemos se aquela louça em particular produzira alguma empatia naquele ambiente. Afinal, estamos em época de produção em massa, das formas e das esteiras, de onde aquela louça tornou-se cria, serão produzidas centenas, talvez milhares por dia, impedindo qualquer olhar de afeto pela massa de trabalhadores mais preocupados em bater cota de produção estabelecida pelos donos do negócio muito “fordistas” para essas preocupações mundanas.
              Mas existia alguém mais em um cantinho, que possuía uma paixão em particular pela louça. Alguém que a considera única. Um artista do mundo massivo da indústria, mas que considera sua obra, uma obra-de-arte. O zeloso desenhista, que sonhou com aquele objeto, com sua criação e a beleza que ele proporcionaria. Não importa se após o momento de criação, sua criatura fosse transformada em um simples produto. Nesse momento é sua criação, sua arte, suspira ele.
              Do outro lado da cidade, outro suspiro.
              - Quantas lembranças! E recolhe com a pá a louça quebrada jogando-a no lixo.
          

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