quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A ARCA



              Ela já estava cansada da viagem. O marido aproveitava a estada e dormia, só acordando com a chegada do serviço de quarto. As crianças...bem, as crianças são o que são, batem todos os espaços do navio, conversam com todo o mundo, os filhos dos outros passageiros, os tripulantes, era uma animação só. Ela não! Estava enjoada, detestava a comida e as acomodações. Não estava acostumada a ser servida, nem receber comida daquela forma.
              __ Isso não é natural! Não é coisa de Deus! Resmunga todas as vezes que lhe levavam comida em seus aposentos.
              __Hum! Essa comida é ótima – diz o marido – pare de resmungar mulher, e venha comer.
              __ Você é muito conformado, esbraveja ela, isso é um péssimo exemplo para os seus filhos.
              Ele levanta a cabeça, balança a cabeleira lustrosa, orgulho que ostentava sem pudor. Serra os dentes para a mulher, vira para o lado e continuar a comer.
              __ Essa sua indiferença me irrita – diz sem se incomodar com a cara feia do marido, e mais aborrecida ainda com a adaptação dele pela situação. Eu não me conformo e pronto!
              __ Querida tudo isso é temporário, aproveita a viagem, trata como férias...
              __Férias! Enfurece-se!
              __ Querida você precisa ocupar seu tempo, conhecer os outros companheiros de viagem...
              Novamente ela o interrompe aos brados. Não era de seu feitio, pois fora educada nas tradições de família. Ele era o macho, o protetor; ela cuidava da casa e das crianças. Café da manhã, almoço, jantar, tudo ela providenciava sem reclamar. Mas aquela vida, aquela vizinhança, aquela comida. Tudo a incomodava.
              __Marido!
              __Sim, meu amor!
              __Já parou para pensar a origem da comida que servem aqui? Dê onde vem a comida aqui nesse fim de mundo onde nos estamos?
              __Ora querida, a comida é boa, saborosa, e eles nos servem com tanta atenção e cordialidade.
              __Por um acaso você notou como estão seus dentes? Viu o tamanho das crianças e a sua cabeleira?
              __Minha cabeleira? O que tem minha cabeleira?
              __Esta caindo, responde ela a risadas.
              __Você esta zombando de mim, oras! Isso lá é brincadeira.
              __Não querido! Tem algo errado com essa comida, de onde ela vem, já que estamos no mar há dias?
              __Oras deve ser tudo industrializado, coisa moderna.
              __É por isso que seu cabelo esta caindo, e as crianças não crescem! Isso não é coisa de Deus!
              __Deixe disso mulher! Porque Noé nos salvaria e depois nos serviria comida ruim?
              __Ela era fêmea e mãe. Estava acostumada a disciplina do dia a dia. Aprendeu assim, com sua mãe, que aprendeu com a avó. Era assim a gerações e achava aquilo tudo antinatural.
              __E ora veja, marido! Veja onde nos alojaram, ao lado das zebras e das gazelas, veja se isso não é provocação? Nossos filhos brincam com os filhos delas. Isso não é de Deus!
              __É, também acho isso estranho, mas tem suas vantagens querida!
              __Qual vantagem você vê nisso? Retruca ela!
              __ Quando esse dilúvio acabar elas estarão bem pertinho para você dar o bote!
             

Nenhum comentário:

Postar um comentário